Ansiedade e Psicanálise: suas Implicações com o Tempo
A ansiedade revela como o sujeito lida com o tempo e o desejo. Na psicanálise, não é sintoma a eliminar, mas sinal que orienta a compreensão e a elaboração do presente.

A ansiedade ocupa hoje um lugar central nas queixas clínicas. Se por um lado ela é frequentemente descrita em termos médicos como um transtorno do comportamento, pela psicanálise ela é concebida como um efeito da relação do sujeito com a sua realidade temporal. A ansiedade, nesse registro, não é um “erro” do funcionamento psíquico, mas uma resposta singular do sujeito diante das demandas da cultura, cada vez mais complexas de serem atendidas no tempo exigido.
Freud dá o nome de angústia ao que hoje entendemos como ansiedade. Em Inibições, sintomas e angústia (1926/1996), o psicanalista descreve a angústia como um afeto que não engana: diferente de outros afetos, a ansiedade não se desloca nem se transforma em outra coisa, ela é sempre um afeto indiscernível. Isso vai de encontro com as descrições que temos hoje dos sintomas de ansiedade que quase sempre são sensações no corpo que não se associam a nenhum sentimento. Parece medo, nervosismo, euforia, mas nenhuma dessas descrições parece descrever adequadamente o que se passa.
Resgatando, no senso comum, o seu significado mais corrente, a ansiedade é quase sempre remetida às questões com o futuro ou com o passado. Trata-se de um medo do futuro que se apresenta como antecipação de catástrofes, de fracassos ou de perdas, mas que, em sua base, guarda também um eco do passado: é o temor de que algo já vivido retorne, que uma cena dolorosa ou traumática se repita. O sujeito ansioso se vê então suspenso num tempo paradoxal: projetado para frente, mas enredado pelo que já passou, incapaz de habitar plenamente o presente. Essa torção temporal revela não apenas um sintoma individual, mas também um traço da cultura contemporânea, que exige respostas imediatas, reduzindo a possibilidade de espera e elaboração.
Se, por um lado, a ansiedade denuncia um descompasso na experiência do tempo, entre a antecipação de um futuro ameaçador e a repetição de marcas do passado, por outro lado ela também funciona como bússola clínica. Na psicanálise, não se trata de eliminar a ansiedade a qualquer custo, mas de escutá-la como sinal de que algo insiste em se dizer, ainda que de forma difusa.
Freud já havia indicado que a angústia é uma resposta diante de situações de desamparo, nas quais o sujeito se vê diante da perda de referências e da impossibilidade de garantir algum tipo de proteção por si mesmo. Na clínica, esse desamparo se reinscreve na forma como cada sujeito lida com a passagem do tempo: alguns se agarram ao passado, outros vivem em permanente antecipação, e outros ainda sentem o presente escapar como areia entre os dedos. A ansiedade, nesse sentido, não se reduz a um estado patológico, mas aponta para a forma singular com que cada um enfrenta sua própria temporalidade.
Lacan, ao situar a angústia como aquilo que não engana, oferece uma chave fundamental para a clínica: a ansiedade não é um obstáculo à análise, mas um ponto de orientação. É justamente no lugar em que o sujeito se sente mais ameaçado, pressionado ou sem saída, que se pode localizar algo da verdade do seu desejo. Por isso, em vez de tomar a ansiedade como um inimigo a ser silenciado, a psicanálise a considera como via de acesso a um saber inconsciente.
A clínica psicanalítica, portanto, não busca ajustar o sujeito ao ritmo da cultura ou oferecer técnicas de controle da ansiedade. Ao contrário, ela promove um espaço em que o sujeito possa reconstruir sua relação com o tempo, reinscrevendo os impasses que o aprisionam em novas coordenadas simbólicas. Nesse espaço de fala e escuta, torna-se possível transformar a urgência em palavra, dando lugar à elaboração daquilo que parecia inominável.
Na prática, isso significa que a análise pode ajudar o sujeito a sustentar o intervalo entre a demanda imediata e a resposta apressada; a suportar a espera quando o desejo exige tempo; e a reconhecer, na repetição de sintomas, a possibilidade de construir um outro modo de viver o presente. A ansiedade, então, deixa de ser apenas sofrimento para se tornar uma via de transformação, abrindo a possibilidade de uma relação mais habitável com o tempo e com o próprio desejo.
