Ansiedade e o mundo que nos atravessa: quando o ritmo externo adoece o nosso ritmo interno

Como o capitalismo tardio, o neoliberalismo e as formas atuais de trabalho impactam nosso psiquismo — e como a psicanálise winnicottiana pode ajudar a sustentar essa experiência.

A ansiedade não nasce apenas de conflitos internos. Ela também é produzida e intensificada pelo mundo em que vivemos. Em uma sociedade marcada pela aceleração, pela cobrança de produtividade e pela sensação constante de que “nunca é o suficiente”, muitas pessoas vivem com o corpo em alerta e com a mente sobrecarregada.

Como descreve o filósofo Byung-Chul Han, vivemos na chamada sociedade do cansaço: um modelo de vida marcado pela exigência de desempenho constante. Nesse tipo de organização social, o sujeito é pressionado a performar, a competir consigo mesmo e a ultrapassar continuamente seus próprios limites, como se o valor de cada pessoa estivesse sempre condicionado à sua capacidade de rendimento. Han explica que esse esgotamento não surge apenas da quantidade de tarefas acumuladas, mas da forma como nos tornamos responsáveis por otimizar cada aspecto da própria vida, transformando o cuidado de si em mais uma obrigação produtiva.

Dentro desse cenário, a ansiedade deixa de ser apenas um estado interno e passa a refletir a maneira como o ambiente social acelera, pressiona e desregula o nosso ritmo natural, criando uma sensação persistente de que nunca conseguimos acompanhar o que nos é exigido.

Capitalismo tardio e a lógica do “sempre mais”

A cultura atual, alimentada pelo desempenho e pela produtividade, cria a percepção de que parar é fracassar. O descanso se torna quase proibido, e a vida emocional é atravessada por comparações, autovigilância e cobrança interna.

O pensamento de Byung-Chul Han dialoga com esse ponto ao afirmar que, diferentemente das sociedades disciplinares do passado — que proibiam — a sociedade atual exige. Exige rendimento, iniciativa, presença constante. É justamente esse excesso de positividade que produz um cansaço difuso, que se manifesta como irritabilidade, insônia, exaustão e, muitas vezes, ansiedade.

Neoliberalismo e o ideal de autossuficiência

O discurso neoliberal reforça que o indivíduo deve ser capaz de dar conta de tudo. Assim, qualquer sofrimento é rapidamente transformado em falha pessoal. Essa lógica ressoa com o que Han aponta: somos transformados em “empresários de nós mesmos”, constantemente avaliando, corrigindo e buscando otimizar cada aspecto da vida.

Isso gera:

• ansiedade por não corresponder ao ideal de desempenho;

• ansiedade de comparação incessante;

• ansiedade por sentir que nunca se faz o suficiente;

• ansiedade por falhar num cenário onde fragilidade não cabe.

Nesse contexto, pedir ajuda se torna quase um ato de resistência.

A psicanálise winnicottiana como contraponto: recuperar o ritmo próprio

Winnicott nos lembra que o sujeito se constitui a partir do ambiente.
E quando o ambiente falha, seja na infância, seja no mundo adulto, surgem estados de angústia e ansiedade que não são culpa do indivíduo, mas respostas legítimas a uma sustentação insuficiente.

A prática winnicottiana se torna, então, um espaço que contraria a lógica da aceleração:

1. Identificar o que é interno e o que é externo

Em uma sociedade que individualiza o sofrimento, a terapia permite separar:

• o que é do sujeito,

• do que é produzido por um sistema exaustivo.

Esse movimento já alivia uma parte importante da ansiedade.

2. Criar um ambiente de sustentação

O consultório se torna um contraponto ao mundo hiperprodutivo: um lugar onde o ritmo diminui, o silêncio tem função, e o sujeito pode existir sem performar.

3. Recuperar o gesto espontâneo sufocado

Assim como Han descreve o adoecimento do “eu empreendedor”, Winnicott nos mostra o adoecimento causado pelo falso self — esse modo de funcionar excessivamente adaptado às expectativas externas.

O trabalho analítico ajuda a recuperar o que é genuíno, o que ficou encoberto pela exigência de “dar conta”.

4. Construir limites internos diante de um mundo que não oferece limites

Onde o capitalismo não coloca fronteiras, a terapia ajuda a construí-las internamente: espaços de pausa, de escolha, de respiração, de estar consigo sem culpa.

Cuidar de si, mesmo quando o mundo pede o contrário

A ansiedade atual não surge apenas de dentro — ela é produzida pelo próprio ritmo social. E, frente a um mundo que nos convoca à exaustão, criar um espaço de cuidado é uma forma de resistência e reconstrução. A psicanálise winnicottiana, com seu foco na sustentação e na autenticidade, oferece um caminho possível para reencontrar o próprio ritmo, recuperando aquilo que a sociedade do cansaço tantas vezes tenta apagar.