Há anos que o Brasil, assim como diversos outros países ao redor do mundo, adotaram como A Atenção Primária em Saúde (APS) como modelo de organização para com os seus serviços da rede pública de cuidados visando seus bons e palpáveis resultados. Entretanto, apesar dos seus evidentes avanços na saúde pública, por conta de seu caráter descentralizado, multiprofissional e multidisciplinar, além de algumas questões culturais existentes no país, houve com o passar do tempo uma perceptível fragmentação do serviço, fragmentações essas que dificultam a sua execução da maneira desejada e esperada; para tanto a APS vem constantemente procurando manejos, ferramentas e estratégias afins de melhorar o seu próprio funcionamento e ordenação. Dessa maneira a Estratégia da Saúde da Família (ESF) surgiu, um pensamento voltado ao intuito de algum modo desenvolver a nossa Atenção Básica na finalidade de ela voltar a si mesma, de se autopromover.
“Mesmo identificando os avanços na organização da APS no Brasil, desde o início do processo de desenvolvimento do SUS, há que se reconhecer que grandes entraves devem ser superados para que os propósitos explícitos na política nacional possam ser cumpridos e para que possa desempenhar seu papel de organizadora do sistema e coordenadora do cuidado em saúde. Parte desses entraves pode ser atribuída a questões próprias da realidade de cada município ou de cada equipe, o que não necessariamente implica em medidas locais para sua superação. Ainda, no que se refere especificamente à APS, há que se superar um padrão cultural vigente tanto na sociedade como no aparelho formador, na perspectiva de valorizar e legitimar as práticas que aí se desenvolvem. Mas, além disso, reconhece-se que a maior parte desses entraves se constitui em desdobramentos de desafios que devem ser enfrentados pelo SUS na atualidade” (LAVRAS, Carmen; Atenção Primária à Saúde e a Organização de Redes Regionais de Atenção à Saúde no Brasil; p.: 5, 2011)
Nesse sentido, a Estratégia Saúde da Família veio ganhando espaço na rede por justamente conseguir, de maneira quase simples, incentivar ideias já expostas na Atenção Primária em Saúde: a atenção no primeiro contato; a longitudinalidade; a integralidade e a coordenação. Em síntese, a ESF é um estimulante a qualidade dos serviços com base na compreensão do que são as diretrizes do Sistema Único de Saúde, o famoso SUS: a integralidade, a universalidade e a equidade; ao decidir dar um maior enfoque na “família” como seu objeto de atenção, essa estratégia está contemplando de uma só vez alguns atributos essenciais a APS e ao SUS. Assim, dar uma maior importância a temática da família proporciona a esse modelo de cuidado uma mobilização natural a conhecer aquelas pessoas, ter as orientações familiares e/ou de comunidades e participar culturalmente de suas vivências, buscando sempre compreender cada vez mais suas necessidades e demandas.
Dessa maneira, a questão ônus aqui é o como a Estratégia Saúde da Família consegue, a sua singela maneira, demonstrar a sensibilidade necessária para se fazer o modelo de saúde pública. Por exemplo, para além do anterior exemplo citado sobre retomar a atenção a família, a ESF consegue reordenar a ESF em alguns outros sentidos; bem como a longitudinalidade, ao apresentar acolhimentos regulares e cronológicos a fim de se manter perto daquelas pessoas e poder proporcionar uma escuta e acolhimento de fato imerso na relação com os usuários.
“A proposta do acolhimento constitui um elemento da mudança no processo de trabalho em saúde, com potencial de ampliar as práticas de cuidado(9-10). O acolhimento não é necessariamente uma atividade em si, mas uma atitude que permeia toda atividade assistencial. Consiste na busca constante de reconhecimento das necessidades de saúde dos usuários e das formas possíveis de satisfazê-las, o que resulta em encaminhamentos, deslocamentos e trânsitos pela rede assistencial(10). A tecnologia do acolhimento pode ser considerada uma reforma nos processos de trabalho e no relacionamento entre profissionais e usuários e, portanto, uma estratégia para o alcance da longitudinalidade pessoal. Está fortemente relacionada à boa comunicação e tende a favorecer a continuidade e a efetividade do cuidado, contribuindo para a implementação de ações de promoção e de prevenção de agravos. Para sua efetivação faz-se necessário o comprometimento dos trabalhadores, de modo que sejam desenvolvidas práticas que visem ao atendimento das necessidades de saúde da população, por meio de atos de fala, escuta, vínculo e negociação.” (OLIVEIRA, Maria & PEREIRA, Iara; Atributos essenciais da Atenção Primária e a Estratégia Saúde da Família; p.: 160, 2013)
Ou tal como a integralidade, a qual na Estratégia Saúde da Família é pensada a ser, para além de um modo de enxergar o sujeito na sua totalidade, uma maneira articulada a localizar-se também como um movimento crítico em relação ao próprio sistema vigente. Dessa maneira, ao tratar-se de integralidade, a ESF refere-se a buscar, nessa totalidade do indivíduo, diversos aparelhos de cuidado que podem auxiliá-los na promoção e prevenção de saúde das mais diversas formas e no acesso e acessibilidade ao termos um contato direto e pessoal com os funcionários que, ao longo dessa relação, utilizando-se assim necessariamente da multidisciplinariedade, pretendem manejar aquele sujeito em seu todo.
“Esta concepção implica potencializar formas mais amplas de intervir em saúde, exigindo e desafiando a construção de ações intersetoriais, pois o processo saúde-adoecimento é decorrência de múltiplos aspectos, sendo pertinente a todos os setores da sociedade. Implica paralelamente, por parte do Estado, a formulação de políticas sociais e econômicas que extrapolem o enfoque de risco e atuam na diminuição das desigualdades sociais e melhoria das condições de vida.[...] A integralidade do cuidado depende da redefinição de práticas, de modo a criar vínculo, acolhimento e autonomia, o que valoriza as subjetividades inerentes ao trabalho em saúde e às necessidades singulares dos sujeitos, como pontos de partida para qualquer intervenção, construindo a possibilidade do cuidado centrado no usuário. Exercer a integralidade passa pela necessidade de repensar práticas e conformações dos serviços públicos de saúde, ainda hoje caracterizados pela descontinuidade assistencial” (OLIVEIRA, Maria & PEREIRA, Iara; Atributos essenciais da Atenção Primária e a Estratégia Saúde da Família; p.: 161, 2013)
Por último, mas não menos importante, a Estratégia Saúde da Família consegue ser importante como a forma utilizada pela Atenção Básica no Brasil pois, para além dessas práticas estrategicamente pensadas, ela conta também com o aparato chamado por coordenação. Dessa maneira, a coordenação pretende-se por ser o dispositivo de maior importância dentro da ESF, pois é por definição a articulação dentre os outros atributos anteriormente abordados. Assim, esse instrumento é a tentativa de garantia de que a “Atenção no Primeiro Contato” não seja apenas uma função administrativa, que a “longitudinalidade” permaneça em funcionamento sem a perda de seu potencial e que a “integralidade” não seja comprometida. Isso posto, a Estratégia Saúde Família mobiliza-se à, a partir dos pensamentos de gerir os cuidados integrais de um sujeito, potencializar a Atenção Primária em Saúde, não apenas com a finalidade de promover a saúde pública brasileira, mas também a ser uma maneira crítica de existir e posicionamento contra as formas de intervenções medicalizantes, coloniais e marginalizantes.
“A operacionalização das redes de atenção em saúde dá-se pela interação de três elementos constitutivos: população adscrita a uma determinada região de saúde, estrutura operacional, que inclui pontos de atenção e ligações entre os pontos de atenção e um modelo de atenção à saúde. Os pontos de atenção em saúde compreendem as unidades de APS (ou equipe da ESF), com a função de atuar como centros de comunicação, os serviços de atenção secundária e terciária e os de apoio diagnóstico e terapêutico. A conexão entre os diversos pontos de atenção é feita por sistemas logísticos e de governança, na forma de comissões intergestoras. A integração das unidades de saúde da família à rede assistencial é fundamental para garantir uma oferta abrangente de serviços e para coordenar as diversas ações requeridas para resolver as necessidades menos freqüentes e mais complexas.” (OLIVEIRA, Maria & PEREIRA, Iara; Atributos essenciais da Atenção Primária e a Estratégia Saúde da Família; p.: 161, 2013)