A pesquisa desenvolvida por Freud (1898/1996), define a etiologia das neuroses de defesa por meio da hipótese do recalcamento de conteúdos ideativos incompatíveis com os ideais civilizatórios; a partir dessa operação, Freud circunscreve os traços estruturais das neuroses - desde a separação entre afeto e representação psíquica pelo recalcamento até o retorno do recalcado na forma do sintoma. No entanto, o psicanalista começa a identificar um quadro clínico que contradizia essa hipótese e as características das neuroses (Freud, 1898/1996a) e formular a categoria de neurose atual (e suas formas clínicas - neurastenia e neurose de angústia), para elucidar a ocorrência de uma perturbação na vida atual e sem a mediação do processo defensivo de recalcamento. Assim se, de um lado, neuroses atuais e neuroses de defesa tem, como ponto em comum, a pressão constante da pulsão que não foi ou não pode ser psiquicamente elaborada; de outro, a diferença entre elas reside no fato de que, enquanto nas neuroses de defesa, a transição para o processamento psíquico já começou, com o processo de internalização de ideias civilizatórios por meio do recalcamento, a formação do conflito psíquico e o sintoma; nas neuroses atuais, isso ainda não foi possível. Nelas, vigoram: a atualidade dos acontecimentos, não se relacionando de maneira simbólica com outros conteúdos representativos; a angústia não localizada na história de vida do paciente; a ausência do conflito decorrente do recalcamento; a insuficiência de elaboração psíquica. O problema reside nesse ponto: o que aconteceu para não ocorrer o processamento psíquico das pulsões?
A resposta vem com a elaboração do conceito de pulsão de morte e da redefinição da hipótese etiológica das neuroses a partir da fusão e desfusão das pulsões, no marco da emergência humanitária da I Guerra e da crise no funcionamento dos ideais civilizatórios. Nesse sentido, é novamente em meio a guerras, epidemias, emergências climáticas e políticas que o LAPSICON pode se voltar às emergências humanitárias atuais para o resgate das neuroses traumáticas, ou neuroses de angústia, para se pensar as conjunturas atuais de desencadeamento e da atividade do analista frente a elas.
Para tanto, é a partir do tripé de uma formação em psicanálise, com as constantes supervisões clínico-institucionais, análise pessoal e principalmente a atividade da pesquisa, que algumas atribuições foram, são e serão colocadas ao jovem pesquisador no intuito da construção desse perfil. Como por exemplo os atendimentos clínicos aos pacientes do SPA, os espaços de supervisão e de seminários de pesquisa semanalmente, além da constante atividade de leitura da bibliografia clássica e atual, discussão acerca dos textos entre os pares no laboratório, como principalmente as apresentações dos resultados de pesquisa em salas de aula na faculdade, seminários e eventos acadêmicos como um todo. Isso posto, tendo em vista os efeitos das emergências dos quadros de rupturas ao redor do mundo citados, tal como foi principalmente o da COVID-19, as atividades desta pesquisa tornaram-se a estudar e apresentar o funcionamento da instância do Super-Eu a partir da teorização das pulsões na segunda tópica com o advento da Pulsão de Morte, ao se pensar o desfusionamento pulsional.
Dessa maneira, logo ao início do processo de pesquisa, foi muito interessante e instigante poder conhecer e trabalhar com uma autora pouco comentada como a Betty Joseph (1975), uma psicanalista inglesa de vertente kleiniana a qual pode olhar para seus pacientes e perceber o funcionamento de defesas bastante primitivas do Eu em atuação, sem no entanto reconhecê-los de maneira estanque da estrutura da neurose. Mas na verdade entendendo-os enquanto “pacientes de difícil acesso”, como postulou a psicanalista, por possuírem grandes resistências presentes para não entrarem em contato com os seus próprios afetos, tendo em vista sempre que a defesa é a própria pulsão. Para tanto, ela vem a apresentar três casos distintos, onde observava-se operações rudimentares da pulsão, por exemplo a cisão do eu, fragmentação do eu e identificações projetivas, tal como Melanie Klein propôs em “Notas sobre alguns mecanismos esquizoides” (1946).
E é nessa direção que, ao se pensar o funcionamento pulsional e seus efeitos no corpo e de subjetivo aos sujeitos que, tendo em vista os efeitos de real, de traumático, proporcionados doravante os quadros das emergências humanitárias, políticas e econômicas, que o LAPSICON pode se voltar aos seus alunos e pesquisadores com uma produção atual e rigorosa acerca do conhecimento científico psicanalítico sobre a modernidade e seus efeitos, sem no entanto recorrer ao enrijecido estruturalismo, entendendo como podem operar as energias psíquicas frente às condições traumáticas que vivenciam os sujeitos.
Para isso, em um segundo momento da pesquisa, a partir da bibliografia clássica, nos voltamos ao cerne da questão no entendimento das pulsões e seu desfusionamento como postulado por Sigmund Freud em um de seus muitos textos fundamentais; O Problema Econômico do Masoquismo (1924). Aqui onde encontra-se o pai da psicanálise em sua melhor forma ao discorrer sobre o funcionamento da energia psíquica a partir da incógnita que lhe surgiu acerca do funcionamento do sujeito masoquista. Pois, se o Princípio de Prazer é resguardado a função de “guardião da vida psíquica”, como poderia haver o masoquista, como se elabora o prazer a partir do desprazer? Dessa forma, é diante dessas questões que Freud caminha e, conclui bem didaticamente em seu texto, sobre a inerência de um masoquismo do Eu e um sadismo do Super-Eu, entendendo essa última instância psíquica como um herdeiro do Complexo de Édipo (FREUD, 1924), mas nas considerações de sê-lo dessa forma uma das facetas da própria Pulsão de Morte. Tal como a leitura lacaniana da questão em seu retorno a Freud, de que toda pulsão é virtualmente uma Pulsão de Morte, explicando assim, como Eros e Thanatos advém de um mesmo lugar, o vazio.
E é também, ainda na consideração freudiana, de que, se no meio psicanalítico só podemos supor que aconteça uma vasta variável fusão e amalgamento de ambos os tipos de pulsão, de maneira que absolutamente não devemos contar com puras pulsões de morte ou de vida, mas apenas com combinações de diferentes magnitudes de ambas, tal como possível que, sob determinados efeitos, a fusão das pulsões corresponda uma desfusão delas (FREUD, 1924), que o LAPSICON pode voltar-se a psicanálise contemporânea e pensar nos efeitos de real, ou seja de traumático, e como isso pode incidir sobre os sujeitos.
Isso posto, a presentificação de defesas em suas expressões mais primitiva — como salientou Betty Joseph — se comportam nos dizeres da desfusão das pulsões, da primazia da pulsão de morte no aparelho psíquico, resultando em algumas séries de comportamentos, tais como o fechamento autístico, cisão do eu, idealização, desidealização, negação e identificações projetivas observados nas amostras dos pacientes da equipe de estágio em parceria também com o projeto APOIAR e nos estudos sobre a atualidade da clínica psicanalítica. Pois, se a defesa é a própria pulsão e a desfusão delas implica em uma desregulação da mesma, observa-se nesses comportamentos defensivos listados acima, o funcionamento mais límpido possível da Pulsão de Morte, justificando como é de extrema importância a atualização em pesquisa sobre esses efeitos nas tragédias humanas, tal como de dever do analista o entendimento de como esses funcionamentos recorrem a uma instância psíquica: o Super-Eu.
Sobre esse esboço, possuindo como base esse referencial psicanalítico acerca do funcionamento pulsional na segunda tópica freudiana, além da contribuição de vários outros autores presentes nos outros projetos de pesquisa vinculados ao LAPSICON, que uma outra parte do tornar-se pesquisador vem a ser explorada, a construção de um perfil a partir das apresentações de pesquisa em eventos acadêmicos como mostras, simpósios e congressos. Eventos esses nos quais o Laboratório de Investigação das Psicopatologias Contemporâneas sempre demonstra bastante interesse, expressividade e presença, considerando aqui o ato de apresentarmos nossos trabalhos e principalmente em diálogo com os pares do vasto campo da saúde mental, peças fundamentais na construção desses perfis de pesquisadores em nosso laboratório. Nesse sentido, é com bastante apreço a este trabalho que, sequencialmente a cada uma de minhas apresentações, posso olhar para trás e observar o caminho processual ocorrendo; seja na maturação da própria pesquisa conforme as apresentações levantam questionamentos ou seja por uma fala que gradualmente se torna mais confiante e assertiva. Isso posto, atualmente esse trabalho de pesquisa sobre a etiologia e diagnóstico das psicopatologias contemporâneas a partir da neurose de angústia consta com a presença estanque em eventos do CRP, na própria Universidade Federal Fluminense campus de Volta Redonda e outras faculdades em seu entorno na região do sul-fluminense do Rio de Janeiro, levantando sempre o debate aos pares acerca do funcionamento pulsional e suas consequências ao laço social, principalmente as vistas dos eventos que cerceiam o território brasileiro nesses últimos tempos, em suas crises políticas, seus flertes com personalidades autoritárias e mais recentemente as situações de emergências ambientais, que em seus cernes demonstram a desregularidade da pulsão de morte em sua característica mais discernante: a falta de projeção de um futuro.